O propósito deste artigo é refletirmos sobre a importância da atenção com a governança na gestão em saúde para que tornemos claras as alternativas para oferta de um sistema de saúde mais efetivo.
Para compreendermos a abrangência do termo governança para gestão em saúde, precisamos resgatar bases que a fundamentaram tanto no sistema de saúde pública como privado do país, pois assim entenderemos o porquê de tornar-se, para o que chamamos aqui, a base de uma gestão de saúde efetiva.
No que tange à saúde pública do Brasil, encontramos o cuidado de estabelecer fundamentação desde as primeiras escritas do Sistema Único de Saúde (SUS), que traz em sua essência a preocupação, não apenas de assegurar a saúde como “um Direito de todos e dever do Estado”, o que nos remete aos seus princípios doutrinários de universalidade, equidade, integralidade, mas também, aos princípios organizativos (regionalização/descentralização/municipalização e participação social) para enfatizar a participação da comunidade no planejamento e melhores diretrizes que lhes garantissem a integralidade nos cuidados aos agravos de saúde.
Assim, vemos na história do SUS os esforços para que nas três esferas governamentais a descentralização de poderes, inclusive orçamentária, fosse garantida, através da formação de conselhos locais, a participação do cidadão. Muito há o que amadurecer neste requisito da discussão, mas um grande arcabouço legal foi construído para amparar ações do PlanejaSUS (Vide Lei 8.080/90; Lei 8.142/90; Portaria 399/06 e Port. 3.085/06). Assim como tantos outros instrumentos do Plano Nacional de Saúde e orçamentários (diretrizes e anual), que resguardassem o cuidado com uniformidade de objetivos, diretrizes e metas, a base legal funciona como instrumento para que, além do óbvio, se garanta a representatividade de todos, principalmente do paciente cidadão.
A constituição que garante este direito como gratuito e universal também permite a participação de planos e operadoras da iniciativa privada, numa proposta de trabalho conjunto entre o público-privado, na garantia do direito à saúde.
A partir de então, vimos na criação da Agência Nacional de Saúde (ANS – Lei 9.961/2000) o grande marco regulatório da saúde suplementar, como também o órgão que terá dentre suas responsabilidades a de garantir qualidade na assistência aos beneficiários do setor.
A teoria da Qualidade Total e Melhoria Contínua já se constituía, desde a década de 90, uma das grandes linhas de prática e pesquisa para gestão em saúde no Brasil. E seu grande foco num melhor atendimento ao cliente-paciente, processos e indicadores veio atender uma lacuna deixada pelas teorias mais tradicionais e vigentes até ali, na gestão de serviços de saúde. O que se imaginava subjetivo torna-se palpável através de ferramentas, indicadores, instrumentos de medição econômicos/financeiros e, ainda, da satisfação de atendimento percebida pelo cliente. Paralela a ela tivemos, também, a influência do modelo americano do managed care, desde a década de 80. Essas bases teóricas propõem que gestores das mais diversas áreas venham a debruçar-se sobre processos, desde o planejamento estratégico até o mais básico das linhas de operação e apoio. Aqui, focarei naquela que acredito trazer mais coerência entre resultados tangíveis e intangíveis, a teoria da Qualidade Total e Melhoria Contínua.
Nesta base teórica, o gestor irá rever, também, conceitos e práticas de disseminação da cultura organizacional, envolvimento dos gestores numa construção coletiva de saberes, hierarquização dos riscos, auditoria interna para prevenção de desperdícios, e , por fim, entender melhor a percepção e corresponsabilidade do paciente cidadão nas condutas e tratamentos mediante agravos à sua saúde, inclusive em políticas de promoção e prevenção nos três níveis de atenção à saúde.
Os fatores que impactam na adoção de um sistema de governança extrapolam a esfera do corpo estratégico da empresa, e, ao contrário disto, mostram que neste patamar está, apenas, o começo de todo compromisso para se oferecer um cuidado efetivo, aquele que representa o centro da assistência, o paciente.
Desenvolver os valores de compartilhamento e corresponsabilidades entre os atores, capacitar multiplicadores nos valores da cultura organizacional, proporcionar uma estrutura tecnológica que garanta trafego e interação segura de dados e informações, gerenciar riscos e fomentar a importância de evitar desperdícios, através de grupos de trabalho e auditores internos, serão, sem dúvida, a base para estruturarmos o conceito de governança em nossas instituições.
Atualmente, muito se usa o termo governança clínica na saúde para definir um modelo de gestão pautado, essencialmente, num cuidadoso planejamento estratégico, comunicação transparente, gestão de processos e monitoramento de indicadores e sistema de tecnologia da informação seguro, que juntos garantam a construção de um cuidado ou prestação de serviços que realmente agreguem valor à saúde da população assistida.